Meninos,
uma crítica orgânica de André Monteiro não seria aquela que trataria de uma
relação entre vida e obra. Uma crítica orgânica de André Monteiro, que aqui
está para além de um nome, seria aquela que trataria de uma relação entre vida
e vida. Uma crítica de André Monteiro não ofenderia André Monteiro se por acaso
o mandasse tomar no cu. Uma crítica de André Monteiro enrabaria André Monteiro
e daí nasceria um filho monstruoso. André Monteiro adoraria ser enrabado. Ele
não se prende a esses moralismos babacas, tampouco tem
paciência para lidar com os afetos que impedem a ventilação do ambiente. André
Monteiro e André Monteiro. Vida e vida. Uma inscrição dupla. Uma indistinção.
Um devir. Um acontecimento. Um encontro entre a vida de André Monteiro e a vida
de André Monteiro estaria no interior de uma política, de uma ação que supera
as cartilhas partidárias, ou de uma ética, acionada e já incorporada à palavra
est-ética. Aquele que diz que ainda é tempo de matar-se, mas passamos do tempo
de cometer tal filhadaputice. Aquele cujo encontro entre vida e vida diz que já
seria lugar comum romper-se aos vinte e sete, mas também aos cinquenta, aos
trinta, aos quinze. Aquele que diz que morremos a conta gotas, sempre um pouco,
pois nascemos no mesmo dia em que a morte se nos inscreve. O suicídio, disse-me
uma vez um desses a quem chamo André, é um excesso de vida, uma força
insuportável e incapaz de se conter em um corpo, aquilo que tomou uma proporção
em função da qual não se consegue, numa encruzilhada, dar o passo em direção à
manutenção da vida. Um desses a quem chamo André não é daqueles que vai ao
túmulo de Jim Morrison lamber seus ossos, tampouco faz do vômito de Hendrix um
troféu a ser exibido como fetiche marginal setentista. Um desses a quem chamo
André prefere comê-los e saciar-se com os delírios musicais de quem deixa-se
arrastar pelo beat até os limites da esquina, até optar pelas ruelas inesperadas,
pelos poros inimagináveis da linguagem. Comendo, Andrés vão se formando e se
formando e se formando... Zoando as palavras e com as palavras, esses muitos Andrés
vão criando, do ócio e do ácido, suas potências lúdicas, vigorosas e alegres.
Meninos, eu vi. Meninos, eu vejo. Uma crítica de André Monteiro não se
rebaixaria frente ao outro, mas roubaria momentaneamente suas forças vitais não
para matá-lo, mas para viver juntos. Já uma crítica a André Monteiro, no
entanto, diria que nós também saímos vitoriosos de toda essa loucura. Uma
crítica a André Monteiro jamais poderia rebocá-lo. Uma crítica a André Monteiro
só seria uma crítica se assumisse de antemão a impossibilidade de apreendê-lo. Uma
crítica a André Monteiro jamais seria uma crítica a André Monteiro, mas uma
crítica junto com André Monteiro, como aquele que surfa e aquele que resgata o
surfista. Criticar André Monteiro é antes de tudo amá-lo. Criticá-lo é ser contra
os universitários predadores. Contra o ressentimento das criações amorfas. Contra
o mofo dos salões caducos da academia. Contra todos os filhos da puta. Meninos,
a vida e a vida estão passando... André e André. Quem não for capaz de escapar
pelas brechas jamais poderá abraçá-los.
Edmon Neto
(Poeta e
doutorando em literatura pela UFJF)
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