segunda-feira, 21 de julho de 2014

Considerações sobre "Cheguei atrasado no campeonato de suicídio"

O poeta não se interessa por demarcações de identidade. Cidade e estado não o representam. Povo não o representa. Ao poetizar que "só o irrepresentável se apresenta", ele nem mesmo demarca seu "eu" (seja lírico, poético, o que for). Mas não é pela ausência de um eu que ele não deixa de ser. A identidade não é desprezada, assim como o ponto no gráfico não é nem vértice e muito menos belo horizonte. A identidade está ali, é a roupa que veste o poeta. Mas não nos enganemos: todo poeta está nu sob sua gravata. E nem mesmo a epiderme é traje o suficiente. 

André parece mais confortável caminhando pelo acostamento que pela estrada. Mas não dá as costas para a estrada, e nem se acomoda com a berlinda. Ele segue em frente, sem desprezar o chão e nem aclamar o passo. 

Sua expressão deglute referências das mais diversas, e nenhuma de maneira gratuita. Os clichês e lugares comuns se tornam reabilitados pelo traçado da pena, e um novo brilho se apresenta (ainda que os clichês decerto não o representem). 

Todo traço de identidade evocado por André nunca é visto como um fim. Nada é fixo, nem endossado (muito menos endoxado), mas tudo é trampolim; tudo visa o salto, no escuro, na fissura. Ele flerta com a morte para ganhar a vida. 

O campeonato de suicídio pode ser todo o desastre ocidental, todo o conservadorismo. Conservar aqui pode ser semelhante a empalhar, a querer manter vivo o que não mais pode ser. O atual estágio do capitalismo, travestido de democrático, não deixa de ser campeonato, onde os suicidas competem por cada bala da roleta russa. Ainda que se atrase, o poeta chega, pois o campeonato é o mundo e é parte da vida (ainda que não celebre a própria vida). Mas a arma aqui não tem a mesma munição. A bala não é doce. A flor na carabina fumega enquanto nega a chacina.  


Rafael Senra
(poeta, compositor e doutorando em Literatura pela UFJF)

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